“Eleitora dá filhote de labrador de presente para presidente
Fafá e Nego ganharam uma nova companhia ontem: um labrador de pouco mais de dois meses foi entregue no Planalto como presente para a presidente Dilma.
A iniciativa foi da tabeliã Márcia Vieira Diógenes, que viajou de Fortaleza para Brasília só para entregar o filhote. ‘É importante que a presidente saiba que ela é querida pelas pessoas’, afirmou.
O cachorro foi recebido por um assessor do gabinete pessoal da Presidência e ainda ontem levado para a Granja do Torto.”
Dar um 'presente' para um servidor público pode ser um ato criminoso chamado de Corrupção Ativa, pelo nosso Código Penal. Mas, para que haja corrupção ativa, é necessário que ocorram três coisas ao mesmo tempo.
Primeiro, que a intenção seja a de determinar que o servidor público pratique, omita ou retarde um ato de ofício.
Não importa se o servidor faz ou deixa de fazer o que o corruptor queria: basta que ele tenha tomado conhecimento da oferta ou promessa feita pelo corruptor (por outro lado, se, por exemplo, a carta com a promessa de dinheiro destinada ao servidor for extraviada, haverá apenas a tentativa de corrupção, porque o destinatário jamais ficou sabendo da oferta)
Segundo, a mera intenção não basta: ele precisa agir, oferecendo (colocando algo à disposição) ou prometendo (comprometer-se a dar ou fazer algo ou dar algo).
Esse ‘algo’ (a vantagem) pode ser financeiro, material, sexual ou mesmo um cachorro. Não importa. E esse oferecimento pode acontecer de qualquer forma: por exemplo, colocando o dinheiro debaixo da carteira de motorista quando o guarda pede para vê-la depois de para-lo por excesso de velocidade, ou entregando o cachorro a um assessor (que, se souber o que acontecendo, pode ser coautor ou partícipe do crime).
Terceiro, essa vantagem precisa ser indevida. Se a vantagem é devida, ou seja, se quem deu tinha a obrigação (ou opção) legal de dar o que deu, não há crime. A pessoa simplesmente fez o que deveria ou podia fazer.
Esse terceiro ponto tem vários detalhes:
Essa oferta indevida precisa estar relacionada ao objetivo de influenciar um ato ou omissão presente ou futuro. Se o policial deixa de multa-lo quando deveria e depois disso você diz a ele que irá dar-lhe uma garrafa de vinho, não há crime porque o ato indevido já foi praticado. Você não pode influenciar o passado.
Aquilo que é dado por caridade – como a caixa de Natal do lixeiro – ou gratidão também não é crime. A vantagem é indevida (você não a deve), mas não tem a intenção de influenciar a ação do servidor público.
O famoso ‘por favor, dá um jeitinho’, também não é crime de corrupção ativa porque embora tenha a finalidade de fazer com que o servidor público aja ou se omita ilegalmente, não há o oferecimento ou promessa de uma vantagem: é apenas um pedido. Nesses casos, se o servidor não ‘dá o jeitinho’, não há crime. Se ele ‘dá o jeitinho’ o servidor pratica corrupção passiva privilegiada (art. 317, §2º de nosso Código Penal), e quem pediu para ele dar o jeitinho, por ter contribuído no crime, passa a ser partícipe daquele crime.
Também não há corrupção ativa se você pagou para que o servidor não fizesse algo que era ilegal. Por exemplo, se o guarda resolve prende-lo sem mandado judicial ou sem ser flagrante, e você diz que vai dar uma cerveja para ele te liberar, você não está cometendo crime de corrupção ativa porque ele não tinha o direito de prende-lo (a prisão era ilegal). E mais: se você pagou porque foi obrigado, você não cometeu crime. Isso porque o crime de concussão (quando o servidor exige a vantagem indevida) impossibilita a existência da corrupção ativa: você não pode prometer ou oferecer se a outra parte está exigindo.
Além disso, se você deu um presente hoje sem segundas intenções, mas no futuro, para influenciar o servidor, você o 'relembra' que você deu-lhe um presente, não há crime porque quando você presenteou não tinha a intenção de corromper. A intenção apareceu depois.
Por fim, para que haja o crime, o ato ou omissão pelo qual você pagou precisa ser algo dentro das atribuições de quem recebeu o pagamento ou oferta. Por exemplo, se você dá dinheiro a um agente federal para que ele deixe de cobrar o IPTU, você não cometeu corrupção ativa porque só um agente municipal tem o poder de cobrar esse imposto. É o que é chamado pelos juristas de crime impossível, porque quem tentou obter a vantagem jamais conseguiria obte-la da forma como tentou (por outro lado, o servidor que recebeu pode ter praticado improbidade administrativa).
Voltando então à matéria: só haveria crime de corrupção ativa se houvesse a intenção de utilizar o presente como forma de obter uma vantagem indevida da presidente. Se não houve a intenção, a vantagem, ainda que seja indevida (ninguém tem a obrigação de dar presente para ninguém), não há crime. Foi um ato de gratidão.
PS: O Código de Ética da Presidência proíbe servidores da presidência e da vice-presidência receberem presentes acima de R$100 de alguém que tenha interesses na União. Se eles não puderem ser devolvidos, são integrados ao patrimônio da presidência ou doados para uma instituição cultural ou filantrópica